CHAMADA ALETRIA – v. 33, n.3 ( jul-set 2023) – Dossiê: Poesia e deriva (escrita, deambulação, dissidência)

Organizadores: Gustavo Silveira (UFMG), Golgona Anghel (Univ. Nova de Lisboa), Larissa Drigo Agostinho (Sorbonne/ USP)
Prazo para submissão: 01 de dezembro de 2022

Acesso: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/announcement/view/392

Pelo menos desde Jean-Jacques Rousseau e os seus Devaneios do caminhante solitário (para ficar apenas nos marcos da Modernidade Ocidental), há uma associação clara entre a poesia e a andança. Caminhar, escrever, perder-se na paisagem ou entre as ruas de cidades agigantadas, tornadas metrópoles, tornou-se um gesto poético na passagem do século XVIII ao século XIX, dos primeiros românticos a Charles Baudelaire. Arthur Rimbaud disse uma vez de si mesmo: “sou um pedestre, nada mais”. Os poetas ganham a rua ou sobem a montanha, derivam por caminhos muito conhecidos em busca do inesperado, querem surpreender no percurso a descoberta que pode transformar, num só ato, o poema e o mundo. Quem anda, já disse Frédéric Gros em Caminhar: uma filosofia, experimenta uma liberdade suspensiva, coloca as preocupações e exigências do cotidiano entre parênteses. Caminhar é também, ainda que só por um instante, fugir. Caminhantes (e poetas) são, desse modo, dissidentes – abrem uma fenda entre si e a realidade circundante, instauram uma outra temporalidade, em geral mais lenta, e contestam o presente enquanto escrevem, pensam ou protestam ao ar livre.
Caminhar, e escrever a partir desse lugar de errância, é um ato político. A flânerie, os passeios exploratórios dadaístas, a psicogeografia que está na base da ‘teoria da deriva’ dos situacionistas, as formas de apropriação do espaço urbano propostas por Henri Lefebvre, as performances poéticas, na cena contemporânea, de Francis Alÿs ou Paulo Nazareth – muitas vezes centradas no deslocamento e nas alterações que ele produz na paisagem – em todas essas manifestações, e em inúmeros poemas de Rimbaud a Herberto Helder, de Carlo Drummond de Andrade a Ricardo Aleixo (passando ainda por Anne Carson, W. G. Sebald e Rui Pires Cabral, entre tantos outros), fica evidente a ligação estreita entre a deambulação e o inconformismo. Seja como fuga, seja como busca da solidão contemplativa no território saturado das cidades, seja como forma de estranhamento ou choque, caminhar e contestar são gestos contíguos, dos quais a poesia tantas vezes se aproximou.
Os organizadores deste novo número da revista Aletria convidam os interessados direta ou indiretamente nas questões apresentadas até aqui para a apresentação de ensaios que se dediquem a pensar, a partir das mais diversas formas e possibilidades da poesia, as conexões entre Poesia e Deriva, bem como as consequências e os sentidos dessa relação.